Ruptura do ligamento cruzado cranial em cães filhotes
- Felipe Garofallo

- 16 de set.
- 3 min de leitura
A ruptura do ligamento cruzado cranial (LCCr) em cães filhotes representa um desafio ortopédico importante, pois envolve particularidades tanto no diagnóstico quanto na escolha da técnica cirúrgica.

Diferentemente dos cães adultos, os filhotes apresentam naturalmente uma frouxidão ligamentar fisiológica, o que pode gerar um teste de gaveta cranial mais evidente mesmo sem ruptura real.
Por isso, a avaliação clínica deve ser criteriosa e nunca baseada em um único teste. O exame ortopédico deve incluir também o teste de compressão tibial, avaliação de dor à manipulação e, sempre que possível, documentação por imagem.
As radiografias auxiliam não apenas a identificar sinais indiretos de instabilidade, como efusão articular e deslocamento tibial, mas também permitem avaliar o status das placas de crescimento, aspecto crítico para o planejamento cirúrgico em animais imaturos.
O grande dilema cirúrgico nesses pacientes está no fato de que técnicas consagradas em adultos, como a TPLO (Tibial Plateau Leveling Osteotomy), podem não ser adequadas em cães jovens.
O corte da TPLO atravessa a metáfise proximal da tíbia, região onde se localiza a placa de crescimento. Interferir nessa área pode resultar em distúrbios de crescimento, deformidades angulares e encurtamento do membro.
Por essa razão, a TPLO só deve ser considerada quando o animal já está próximo do fechamento fisário, geralmente em torno de 8 a 10 meses, dependendo da raça e do porte.
Como alternativa, surge a CTWO (Closing Tibial Wedge Osteotomy, ou osteotomia em cunha de fechamento), que corrige o ângulo do platô tibial sem atravessar a fise.
Essa técnica é especialmente útil em cães jovens de raças médias e grandes que apresentam ruptura de LCCr com instabilidade significativa antes do fechamento do crescimento.
O princípio é retirar uma cunha óssea da tíbia proximal, promovendo uma alteração angular que reduz a força de deslocamento cranial da tíbia, estabilizando o joelho. Por preservar a placa de crescimento, a CTWO diminui o risco de complicações relacionadas ao desenvolvimento ósseo.
Outra abordagem descrita em ortopedia veterinária é a epifisiodese com parafuso transfisário, em que um parafuso é colocado atravessando a fise da tíbia proximal de forma intencional e controlada. O objetivo é modular o crescimento, induzindo uma redução gradual do ângulo do platô tibial à medida que o filhote cresce.
Essa técnica, inspirada em princípios de ortopedia pediátrica humana, depende do crescimento ativo para surtir efeito e exige acompanhamento radiográfico frequente.
Sua aplicação clínica ainda é restrita, com poucos estudos comparativos em cães, mas representa uma alternativa promissora em filhotes mais jovens, nos quais a instabilidade não pode ser controlada apenas com técnicas extracapsulares.
Falando nelas, as técnicas extracapsulares (como a sutura fabelo-tibial) ainda têm papel em pacientes muito jovens ou de raças pequenas.
Apesar de não oferecerem estabilidade biomecânica duradoura em cães grandes e ativos, podem servir como solução temporária até que o animal atinja idade segura para uma osteotomia definitiva.
Em filhotes de porte miniatura ou toy, em que as forças de cisalhamento são menores, essas técnicas podem até representar tratamento definitivo.
Portanto, a decisão sobre o tratamento cirúrgico da ruptura do LCCr em cães filhotes deve considerar três fatores principais: idade e estágio de crescimento, porte do animal e grau de instabilidade articular.
O diagnóstico precoce e preciso é essencial para diferenciar frouxidão fisiológica de ruptura verdadeira. Uma vez confirmada a lesão, cabe ao cirurgião selecionar a técnica que ofereça estabilidade adequada sem comprometer o crescimento ósseo.
Nesse contexto, a CTWO surge como a opção mais segura em pacientes jovens de raças grandes, enquanto a epifisiodese controlada com parafuso transfisário representa uma estratégia inovadora e ainda em desenvolvimento. Já nos pequenos, a sutura extracapsular continua sendo uma alternativa válida.
O mais importante é adaptar a escolha à realidade biológica do paciente, lembrando que o filhote não é um “adulto em miniatura”, mas sim um organismo em transformação, no qual decisões cirúrgicas inadequadas podem comprometer toda a vida funcional do animal.
Referências bibliográficas
Flo GL, DeYoung DJ. Cranial cruciate ligament rupture and corrective osteotomies in immature dogs. Vet Clin North Am Small Anim Pract. 2000;30(2):255-270.
Kowaleski MP, Boudrieau RJ, Pozzi A. Rupture of the Cranial Cruciate Ligament. In: Tobias KM, Johnston SA. Veterinary Surgery: Small Animal. 2nd ed. Elsevier; 2017.
Sobre o autor

Felipe Garofallo é médico-veterinário (CRMV/SP 39.972) especializado em ortopedia e neurocirurgia de cães e gatos e proprietário da empresa Ortho for Pets: Ortopedia Veterinária e Especialidades.