Raio-X normal, mas o cão manca: o que pode estar acontecendo?
- Felipe Garofallo

- 29 de mai.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de set.
Mesmo diante de um exame radiográfico sem alterações, a claudicação em cães não deve ser subestimada. Na ortopedia veterinária, é frequente observarmos pacientes que apresentam dor ou alteração de marcha com radiografias absolutamente normais. Essa situação exige do ortopedista uma abordagem clínica criteriosa e domínio técnico para diferenciar as múltiplas causas possíveis de claudicação que não se manifestam nas imagens radiográficas convencionais.

A radiografia é, sem dúvida, uma ferramenta valiosa na avaliação ortopédica inicial. Contudo, trata-se de um exame com limitações importantes, sobretudo no que diz respeito à visualização de estruturas de tecidos moles, como ligamentos, tendões, cápsulas articulares e cartilagem articular. Um dos principais exemplos é a ruptura do ligamento cruzado cranial, que muitas vezes não apresenta sinais evidentes nas radiografias nos estágios iniciais.
Nestes casos, o diagnóstico depende de uma palpação ortopédica minuciosa, com testes específicos como o de gaveta cranial e o de compressão tibial, bem como da observação atenta da resposta à manipulação articular. Em determinados casos, a confirmação pode demandar exames complementares como ultrassonografia articular, artroscopia ou ressonância magnética.
Outro grupo de diagnósticos frequentemente negligenciado em avaliações radiográficas normais são as tendinopatias. Lesões em tendões como o do bíceps braquial, do calcâneo comum ou dos flexores digitais podem causar dor significativa e claudicação intermitente, mesmo sem qualquer alteração óssea associada. A ultrassonografia musculoesquelética de alta resolução é uma ferramenta fundamental nestes casos, permitindo a avaliação dinâmica e detalhada das estruturas envolvidas.
Do ponto de vista neurológico, alterações discretas na medula espinhal ou raízes nervosas — como protrusões discais leves ou compressões radiculares — podem alterar a biomecânica e gerar dor, sem qualquer alteração evidente nas radiografias simples. A diferenciação entre uma claudicação ortopédica e neurológica requer experiência na avaliação da propriocepção, reflexos espinhais e sensibilidade, além da eventual necessidade de exames avançados como mielotomografia ou ressonância magnética.
A dor miofascial também é uma causa importante de claudicação não visualizada em exames de imagem. Tensionamentos musculares, desequilíbrios posturais e sobrecarga biomecânica são relativamente comuns em cães ativos ou submetidos a exercícios repetitivos, podendo gerar dor localizada ou difusa. A avaliação da simetria muscular, a palpação de pontos gatilho e a resposta à fisioterapia diagnóstica são importantes recursos clínicos nestes casos.
Ainda é fundamental lembrar das afecções articulares de origem inflamatória ou imunomediada, como a poliartrite idiopática ou as artrites infecciosas (por exemplo, erliquiose ou leishmaniose), que frequentemente cursam com dor articular sem alterações radiográficas nas fases iniciais. O diagnóstico adequado exige exames laboratoriais específicos e, muitas vezes, análise do líquido sinovial.
Conclui-se, portanto, que um raio-X sem alterações não encerra a investigação ortopédica — ele apenas direciona os próximos passos. A experiência clínica, a palpação ortopédica criteriosa, a avaliação neurológica e o uso estratégico de exames avançados são determinantes para identificar a origem da claudicação e estabelecer um plano terapêutico eficaz.
Para o ortopedista veterinário, essa é uma situação desafiadora, mas que reforça a importância de uma abordagem multidimensional e integrada no diagnóstico da dor locomotora.
Referências bibliográficas:
Piermattei DL, Flo GL, DeCamp CE. Brinker, Piermattei and Flo's Handbook of Small Animal Orthopedics and Fracture Repair. 5th ed. Elsevier, 2016.
Cook JL, Evans R, Conzemius MG, et al. Proposed Definitions and Clinical Guidelines for Use of Biomarkers in Veterinary Medicine. J Vet Intern Med. 2014;28(3):885–887.
Sobre o autor

Felipe Garofallo é médico-veterinário (CRMV/SP 39.972) especializado em ortopedia e neurocirurgia de cães e gatos e proprietário da empresa Ortho for Pets: Ortopedia Veterinária e Especialidades.