Cicatrização de músculos e tendões em cães
- Felipe Garofallo

- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de set.
A cicatrização de músculos e tendões em cães é um processo complexo e altamente especializado, que envolve diversas fases fisiológicas e depende de fatores como a extensão da lesão, a vascularização do tecido, o tipo de trauma (agudo ou crônico) e os cuidados pós-lesão ou pós-operatórios.

Diferente da pele, que cicatriza com certa rapidez, os tecidos musculares e, especialmente, os tendinosos possuem ritmos de regeneração mais lentos e tendência à formação de tecido cicatricial fibroso, o que pode comprometer a função original dessas estruturas se o manejo não for adequado.
Fases da cicatrização
Tanto músculos quanto tendões passam por três fases principais de cicatrização:
Fase inflamatória (1 a 5 dias): caracteriza-se pelo sangramento local e liberação de mediadores inflamatórios. Nos músculos, há necrose de fibras lesionadas e recrutamento de células satélites; nos tendões, células da bainha sinovial e do endotendão são ativadas. Essa fase é essencial para remover os detritos celulares e preparar o ambiente para a regeneração.
Fase proliferativa (5 a 20 dias): ocorre a migração de fibroblastos e células progenitoras para o local da lesão, iniciando a formação de colágeno tipo III. Nos músculos, há também regeneração parcial de fibras musculares, enquanto nos tendões, a arquitetura colagenosa começa a ser reconstruída, mas ainda de forma desorganizada.
Fase de remodelação (a partir de 3 semanas e podendo durar meses): o colágeno tipo III é gradualmente substituído por colágeno tipo I, mais resistente e alinhado com a direção da força. Nesse estágio, o alongamento controlado e o estímulo mecânico adequado são fundamentais para orientar as fibras e recuperar a força e elasticidade do tecido.
Diferenças entre músculos e tendões
Os músculos, por serem mais vascularizados, têm capacidade maior de regeneração, embora fibrose excessiva possa limitar o retorno completo da função. Lesões musculares graves, se não bem tratadas, podem evoluir para contraturas.
Os tendões, por sua vez, são hipovasculares, especialmente na região central, o que dificulta a cicatrização e prolonga o tempo de recuperação. Além disso, a formação de aderências e a ausência de deslizamento adequado entre as fibras são complicações frequentes.
Tratamento e cuidados
O manejo de lesões musculares e tendíneas pode ser conservador ou cirúrgico, dependendo do tipo e gravidade da lesão. Lesões parciais podem ser tratadas com repouso controlado, anti-inflamatórios, fisioterapia e crioterapia nas fases iniciais. Lesões completas ou rupturas tendíneas exigem reconstrução cirúrgica, com técnicas de sutura específicas (como Bunnell-Mayer, locking loop, entre outras) que devem respeitar o alinhamento e a tensão fisiológica do tendão.
Independentemente da abordagem, o pós-operatório é crítico. A mobilização precoce, mas controlada, evita aderências, mantém a elasticidade e estimula a regeneração adequada. Técnicas como hidroterapia, eletroestimulação e laserterapia são amplamente utilizadas na reabilitação para melhorar o aporte sanguíneo, modular a inflamação e acelerar a cicatrização.
Prognóstico
O retorno à função normal depende da precocidade do diagnóstico, da qualidade da reparação e da aderência ao plano de reabilitação. Tendões, especialmente os flexores, têm recuperação mais demorada e, em alguns casos, a função nunca é 100% restaurada. Já lesões musculares, quando bem manejadas, podem ter recuperação mais favorável, desde que não evoluam para fibrose ou contratura.
Portanto, entender o processo de cicatrização desses tecidos permite ao clínico e ao cirurgião veterinário adotar estratégias que maximizem a recuperação funcional, evitem complicações e proporcionem qualidade de vida ao animal.
Referências bibliográficas:
Millis, D. L., & Levine, D. (2013). Canine Rehabilitation and Physical Therapy (2nd ed.). Elsevier.
Fossum, T. W. (2019). Small Animal Surgery (5th ed.). Elsevier.
Sobre o autor

Felipe Garofallo é médico-veterinário (CRMV/SP 39.972) especializado em ortopedia e neurocirurgia de cães e gatos e proprietário da empresa Ortho for Pets: Ortopedia Veterinária e Especialidades.