Abordagem abra mais não toque em cães
- Felipe Garofallo

- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 12 de set.
A técnica cirúrgica conhecida como “abra mais, mas não toque” (em inglês, “open but do not touch”) é um princípio da osteossíntese biológica cada vez mais adotado na ortopedia veterinária.
Ela se baseia na ideia de que é possível obter visualização e alinhamento adequados da fratura sem comprometer a biologia local do osso, principalmente o suprimento sanguíneo periosteal, crucial para a cicatrização óssea eficiente.

Diferente das abordagens tradicionais que envolvem grandes incisões e extensa dissecação para reconstrução anatômica precisa da fratura, a filosofia “abra mais, mas não toque” propõe que, mesmo com uma abordagem ampla para garantir boa visualização dos segmentos proximal e distal, os fragmentos fraturários centrais não devem ser manipulados diretamente, preservando assim o hematoma fraturário e a integridade do periósteo.
O objetivo é manter a vascularização local intacta, permitindo que a biologia natural da cicatrização atue de forma mais eficaz, geralmente por formação de calo ósseo (consolidação secundária).
Essa técnica é particularmente útil em fraturas cominutivas, onde os fragmentos intermediários são pequenos, instáveis e inviáveis para fixação direta.
Nessas situações, tentar reduzir cada fragmento pode aumentar o tempo cirúrgico, provocar desvitalização óssea e aumentar o risco de complicações. Com a técnica “abra mais, mas não toque”, realiza-se a redução dos segmentos principais do osso e aplica-se uma placa como ponte, conectando os extremos do osso sem interferir nos fragmentos intermediários.
A escolha do implante e a biomecânica são fundamentais para o sucesso da técnica. Placas bloqueadas são frequentemente utilizadas por sua rigidez e capacidade de manter a estabilidade mesmo com menor contato entre o implante e o osso.
O objetivo é criar uma estabilidade relativa, suficiente para permitir micromovimentos que estimulem a formação de calo ósseo robusto.
Apesar do nome, a técnica não exige que a incisão seja sempre ampla. Em alguns casos, pode-se associar princípios de cirurgia minimamente invasiva (como o MIPO), em que incisões menores são utilizadas nos pontos de ancoragem da placa, e o corpo do implante é tunelado sob a pele e músculos.
No entanto, quando a incisão ampla é inevitável, como em pacientes com tecido mole espesso ou acesso anatômico complexo, a estratégia “abra mais, mas não toque” ainda protege a biologia do foco fraturário.
Do ponto de vista clínico, os resultados da aplicação dessa abordagem têm sido positivos, com menor tempo de consolidação, menor taxa de complicações infecciosas e excelente retorno funcional em cães submetidos a osteossíntese biológica. Contudo, ela exige do cirurgião ortopedista uma mudança de mentalidade.
Aceitar que a perfeita reconstrução anatômica não é sinônimo de melhor resultado, e que respeitar a biologia é, muitas vezes, mais importante do que buscar a simetria absoluta no raio-X.
Em suma, a abordagem “abra mais, mas não toque” é uma excelente estratégia para preservar a vitalidade óssea em cirurgias ortopédicas, especialmente em fraturas cominutivas ou em locais de difícil reconstrução. Ela reflete uma evolução do pensamento ortopédico, que valoriza cada vez mais a interação entre biomecânica e biologia no processo de recuperação óssea.
Referências bibliográficas:
Perren, S. M. (2002). Evolution of the internal fixation of long bone fractures. The Scientific Basis of Orthopaedics. Springer.
Hulse, D. A., & Hyman, W. A. (2010). Biological Internal Fixation. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, 40(4), 1055–1068.
Sobre o autor

Felipe Garofallo é médico-veterinário (CRMV/SP 39.972) especializado em ortopedia e neurocirurgia de cães e gatos e proprietário da empresa Ortho for Pets: Ortopedia Veterinária e Especialidades.